A ALEGRIA DO BRINCAR
Pode parecer curioso para alguns falar-se em Brincadeiras-de-roda nos dias de hoje. Em tempos, em que estas manifestações da cultura popular espontânea estão com o seu espaço tão diminuído. Nas ruas, nas praças, nos quintais está mais raro de se ver ou ouvir-se das bocas infantis aquelas canções que, na simplicidade das suas melodias ritmos e palavras, guardam séculos de sabedoria e a riqueza condensada do imaginário popular .
Porém, sem estarem em alta, também não estão extintas. E configurando uma situação contrastante e quase contraditória - é certo que muitas vezes tendo partes omitidas ou formas esquecidas e transformadas, elas sobrevivem a era do computador. Talvez como um reflexo da busca do contato com a expressão genuína e ancestral que é, em última instância, insubstituível.
O fato é, que toda esta conjuntura não altera em nada o teor valoroso intrínseco às Cantigas e Brincadeiras-de-roda. Elas continuam contendo símbolos fecundadores de toda a vida subjetiva, e continuam funcionando como pretextos maravilhosos para a criança experimentar o seu corpo, a linguagem, e para descobrir-se a si própria ao mesmo tempo se revelando ao outro e inserindo-se no convívio social.
Em sua obra, C. G. Jung já chamava atenção para a enorme importância das manifestações do folclore tradicional, apontando para a `perda irreparável' que sofrem aqueles que descartam ou desprezam as suas imagens. (Jung, apud. Fregtman, 1989, p. 29 ) Em tempos em que o folclore é muitas vezes - mais do que injustamente- relegado a um plano inferior, ou esquecido, pela própria gente a qual ele pertence, pincei um elemento do seu conjunto a ser discutido aqui nesta monografia.
Observando um grupo de crianças brincando espontaneamente com estas canções, ou, mergulhando no tempo e nos recordando das Brincadeiras-de-roda vivenciadas na própria infância, percebemos que algo precioso se processa. Trata-se de um movimento de entrega, de alegria e de intensidade vital.
Do ponto de vista pedagógico, estes jogos infantis são considerados completos: brincando de roda a criança exercita naturalmente o seu corpo, desenvolve o raciocínio e a memória, estimula o gosto pelo canto. Poesia, música e dança unem-se em uma síntese de elementos imprescindíveis a educação global. (Melo,1985) Vale lembrar que, a atividade lúdica constitui o aspecto mais autêntico do comportamento da criança. ( Boulch, apud. Lira ) Ao brincar, a criança está correspondendo a necessidades vitais suas, dando vazão a impulsos que a permitem desenvolver-se como ser pleno e afirmar a sua existência singular. É um movimento que faz parte dos seus esforços de compreender o mundo, e que a torna capaz de lidar com problemas até complexos e que muitas vezes tem dificuldade de compreender.
É inegável que as Cantigas e Brincadeiras-de-roda ocupam um lugar especial no contexto das canções e elementos que figuram em Musicoterapia. A começar pelas vivências no próprio "Curso de Musicoterapia". Não foi apenas uma única vez em que eu vivi, ou ouvi relatos com cenas similares a que agora se segue. Aula da cadeira de `Improvisação corpo e som' do Curso de de Musicoterapia - a turma é composta por um grupo de estudantes adultos, com faixas etárias variadas e procedências diversas. Iniciam-se experiências com a voz e com os instrumentos. De repente, em meio a sons, trechos de ritmos e melodias, surge o tema de uma Cantiga-de-roda, trazida por um aluno. Outra voz junte-se a ele, e mais uma, e outra...Aos poucos estas pessoas se juntam, dão-se as mãos e formam uma roda. Inicia-se a brincadeira. Ao término da canção, a roda não pára de girar e outras canções se sucedem num movimento ininterrupto.
Trabalhando na ABBR, com grupos de adultos e idosos apresentando comprometimento motor, mais de uma vez vivi, como musicoterapeuta, ou observei, como estagiária, a seguinte cena: O musicoterapeuta sugere que cada um lembre de uma canção a ser compartilhada pelo grupo. Surgem canções de seresta, de carnaval, e...Cantigas-de-roda. Junto com elas, lembranças, imagens e emoções de uma outra época e que, naquele momento, tornam-se de alguma forma presentes novamente.
Outro episódio que vivi, também enquanto musicoterapeuta na ABBR. "Uma criança apresentando uma deficiência na marcha. É por isso vista como diferente, ficando diversas vezes isolada das atividades em grupo do cotidiano. Na sessão de Musicoterapia, juntamente comigo e com mais duas outras crianças, forma-se uma roda e todos cantam e dançam. Cada um à sua maneira, mas todos são, naquele momento, parte igualmente importante do conjunto. Movidos unicamente pelo prazer e pela alegria de brincar. (MICHAHELLES Benita, Cantigas Bincadeiras-de-Roda na musicoterapia)
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